Segunda oportunidade? Porque não ! ?
PL
Poucas coisas existem tão apetecíveis como ceder à curiosidade e regressar a autores que pouco satisfizeram da primeira vez.
É esta curiosidade que nos mata. Tentar novamente, ver se é diferente. Correr o risco. Tão típico da natureza humana correr riscos.
Há riscos e riscos. Ler um novo livro de um autor depois de não termos gostado do primeiro não é propriamente um risco muito elevado. É apenas um tempo usado, porque não quero dizer gasto, para perceber melhor o caminho percorrido, a dinâmica, a evolução. É que a primeira vez nem sempre é como esperamos e muitas vezes é mesmo o contrário do que estávamos à espera. Baralhando e tornando a dar. Gostamos do livro, lemos o segundo. O segundo não é tão bom. Compreendemos. Lemos o primeiro, não é bom. Condenamos o segundo? Talvez a maioria das vezes sim. Devemos fazê-lo? Talvez não. Passamos à segunda oportunidade. Acontece em tantas situações.
Foi o que decidi fazer a María Gainza. Gostei do título Hotel melancólico. Talvez porque se coaduna com o confinamento a que estamos sujeitos. Donde da varanda virada ao sol apenas poucos transeuntes, passeadores de cães e atletas nas suas formas reais ou pseudo, distantes e distanciados, alegram debilmente uma outrora movimentada rua com conversas em alto tom, risos, coscuvilhices e confrontos caninos de indisciplinados rafeiros e snobs pedigrees feéricos e desobedientes.
Não é a Avenida Niévski no seu bulício quotidiano. Como eu gostava que fosse! Como me vejo à janela grande do café olhando quem passa, imaginando as suas histórias. É a minha avenida, com as suas histórias, sem a grandiloquência que a imaginação me transporta de Gogol e da sua avenida. À minha maneira interpreto histórias, atribuo significados, invento vidas para os que passam absortos nas suas próprias. E esta melancolia duma tarde soalheira combina com o Hotel melancólico onde se fala de arte, de pessoas, de sentimentos, de realidade de ficção. Da nobreza da cópia, do estigma da falsificação. Da memória e da vida.
Com uma escrita mais criativa e menos ligada a constantes referencias e notas reais que me cansaram n’ O nervo ótico, uma narrativa mais romanesca e menos ensaísta e uma história ao jeito da autora que é também crítica de arte.
Saboreei o café na varanda da minha Niévski acompanhado por Hanne Boel e The shining of things. E fui aproveitando o sol como justificação para manter Hanne Boel comigo.