Poética musical
De Paul Simon a Prince, passando por Neil Young, Paul McCartney e Georges Gershwin , Guillaume de Chassy e Daniel Yvinec reuniram um conjunto de músicas do século XX, cuidadosamente selecionadas, juntaram-se a Paul Motian e Mark Murphy e o resultado foi o magnifico álbum Songs from the last century.
Com um tratamento jazzístico conceptual rigoroso, mantendo uma abordagem melódica que não nos afasta dos temas originais, transmite-nos uma sonoridade que apetece ouvir continuada e repetidamente.
Uma primeira audição num volume mais elevado, com a completa abstração do espaço envolvente, absorvendo unicamente o piano, o contrabaixo, a bateria e nalguns trechos a voz, permite-nos a integração na música, captando o aspecto melódico que se manterá sempre vivo nas audições seguintes.
Assim, podemos baixar o volume, para um ambiente de fundo que nos permita passar à leitura do tão apetecido Homens imprudentemente poéticos.
Valter Hugo Mãe mantém o traço poético da escrita a que já nos habituou, talvez aqui com uma linguagem mais delicada, embora contando a história de um artesão e um oleiro que vão aumentando a inimizade que nutrem, a par dum respeito mútuo, mas com a promessa intima e secreta de se assassinarem. A irmã de Ítaro, o artesão, é uma jovem cega mas com uma percepção sensível do mundo que a rodeia enquanto a mulher falecida de Saburo, o oleiro, personifica o amor. Saburo não ultrapassa a morte da mulher e a culpa crescente que põe em Ítaro aumenta-lhe o ódio diariamente. Apesar dum sucessivo desenrolar de situações trágicas dá-se a redenção no final. Continua a ser um livro sobre a solidão. Mantém um traço literário depressivo, se é que posso dizê-lo desta forma, embora não tão marcado como no anterior Desumanização. Mas apesar do constante fluir de situações dramáticas, a beleza conceptual, a facilidade no manejamento da língua e a riqueza construtiva e de vocabulário, tornam este livro numa das melhores obras da literatura portuguesa actual.