Os clássicos, os outros e a inteligência artificial
PL
Sempre me interroguei porque uns livros são os clássicos e outros não são senão livros. Como é feita a escolha, quem decide o cânone? Usei a inteligência artificial. Perguntei ao Chat GPT porque assim eram considerados. A resposta foi a esperada. Entre outras, as razões são o valor literário, a influência cultural, o reflexo histórico, a longevidade, a contribuição ao cânone literário, o apelo intemporal.
Li livros que permanecem na alma, que poderiam cumprir o preceito, mas que desapareceram do mundo. Que sugiro, aconselho, mas já não existem, habitando apenas em pequenas ou vulgares bibliotecas de uma meia dúzia de incautos ou privilegiados que os compraram num assomo de sorte, numa obra do acaso ou num conselho momentâneo e assertivo num espaço curto e volátil de tempo.
Há muito tempo, tanto que se fosse um conto de fadas, poderia dizer há muito, muito tempo, li Mentira de Enrique de Hériz. Uma narrativa sublime, um tema intemporal. A morte, o esquecimento, o faz de conta, as mentiras que vão alimentando a vida. Não há reedições, não consigo voltar a oferecer.
Alguns anos mais tarde chegou-me à mão, numa saborosa oferta duma familiar, A casa de papelde Carlos Maria Dominguez. Um livro pequenino de leitura breve. Fala de livros e da forma como podem mudar a vida das pessoas. Fala das bibliotecas, fala do destino. Quis oferecer, encontrei um exemplar no OLX. Fortúnio de um momento de desesperada procura. Lembro-me dos primeiros dois que ofereci, numa pilha de vários no balcão da Bertrand do centro comercial. Devia tê-los comprado todos. Esgotado e não disponível.
Pululam nos destaques das livrarias e editoras relançamentos dos clássicosde alguém, do cânone que outro alguém decidiu perpetuar. Vivemos numa época em que é perigoso pensar, arriscado decidir, por em causa o status quo. Relançar os clássicos é simples, é seguro, não obriga a pensar, não é necessário decidir.
Bestial ou besta, dependendo dos pontos de vista, vai variando a inteligência artificial e a sua sigla IA ou AI de acordo com a preferência nacional ou anglo-saxónica do utilizador. Assumimos a IA como o somatório revisto e aumentado da IN. Sigla que atribuo a inteligência natural, atributo que vi escasseando mas que espero ainda não em vias de extinção. Ao perguntarmos ao Chat GPT o que é a IA, entre outras coisas diz-nos que envolve tarefas como o raciocínio e a tomada de decisões. Uma complexificação computorizada da IN, acrescento. Estão a ser desenvolvidas redes neuronais profundas cada vez maiores em plataformas computacionais, pode ler-se noutro local. A rede neuronal humana é infinitamente mais complexa. Da mesma forma que dizem que o homem criou Deus, mas será que foi Deus que criou o homem? O homem criou a inteligência artificial, o que irá criar a inteligência artificial?
Somos providos de 5 sentidos. As minhas tomadas de decisão baseiam-se na aprendizagem, na experiência, nos erros cometidos e na sensibilidade com que uso os meus 5 sentidos, tarefa que vejo muito distante a qualquer poderoso computador.
A lua está crescente, amanhã será lua cheia, talvez me transforme num lobisomem.