Momentos
A vida é feita de momentos. Um dos momentos bons, que recordo com muita saudade, foi quando, entre outras e muitas coisas, me falaram de A tia Júlia e o escrevedor. Passaram uns anos mas o sentimento perdura. Ouço Fred Hersch ao piano Alone at the Vanguard enquanto vou passando em memória momentos e livros. E vou recordando A tia Júlia e o seu escrevedor. Hersch é um pianista e compositor de jazz. Ouço deliciado as suas obras e as suas improvisações sobre as obras de Monk e Blake...
O tempo vai passando. São mais as recordações que a vontade de escrever, mas A tia Júlia e o escrevedor assumem um papel preponderante. Há um realismo fantástico que se vai exacerbando com desenrolar da história. Um escritor que, para dar vida aos seus textos, vai encarnando o que escreve, ou até que encarna primeiro para escrever. E ao longo das suas histórias vai-se misturando cada vez mais com elas, ao ponto de ser ele a sua própria história. Enlouquece, confundindo enredos e personagens, mas os seus ouvintes aumentam com isso o seu apreço, adorando-o cada vez mais.
E a paixão pela tia Júlia, quase com o dobro da sua idade, do jovem protagonista de 18 anos, com quem acaba por ter uma relação amorosa. A candura e o encantamento. A luta familiar. O casamento. A amizade do jovem e do escrevedor. O desenrolar duma história achada por muitos autobiográfica, onde o real e o imaginário se confundem.
De uma leitura aparentemente fácil, que se vai complicando com o desenvolver da história, que mistura o real e o fantástico, associado a um fluir literário que aumenta a voracidade da leitura a cada capítulo que passa, esta obra de Mário Vargas Llosa é para se ir saboreando ao longo duma fria tarde de Outono, onde um encorpado tinto duriense acompanha com toda a perfeição.