Grotesco e belo
Hoje volto a Valter Hugo Mãe para falar de Desumanização. Para mim é uma masterpiece da literatura portuguesa contemporânea. Baseio-me em vários pontos. A ordem é arbitrária. A história passa-se na Islândia, um país de lagos, cascatas e geysers, campos de lava, crateras vulcânicas e glaciares. Paisagens fantásticas, campos verdejantes e baleias ao longe. E os fiordes... E as magníficas auroras boreais... E num país assim é-nos contada uma história triste. Reina a passividade, a solidão acompanhada, o passar o tempo como se o tempo não passasse. Reinam as paisagens virgens duma natureza não alterada pelo homem. Reinam as pequenas localidades separadas, muito fechadas, onde todos se conhecem mas todos são estranhos. Talvez este seja o mais depressivo livro de Mãe. A narradora, se 13 anos, gémea de uma irmã morta, culpabilizada pela mãe perturbada e protegida pelo pai. Vive os seus sofrimentos de uma forma particular.
A delicadeza com que Valter Hugo Mãe descreve o grotesco, numa linguagem sublime, poética, melancólica, onírica, com rasgos a ameaçar o fantástico. Com muitas referencias culturais, mostra que entrou bem no espírito islandês, que aprendeu a arquitectura emocional islandesa, que percebeu o que vai na alma daquele país.
É esta dualidade, esta antítese do sofrimento descrita duma forma tão bela que apetece apreciar, com uma poesia subjacente que se tira com o continuar da leitura que faz deste livro uma contradição permanente. Porquê uma história triste apetece tanto ler?
None but the lonely heart é um álbum do pianista Chris Anderson e do baixista Charlie Haden. Interpreto aqui também um contraponto entre o melódico e o harmónico. Uma beleza mais melódica do piano conjugada com uma harmonia mais melancólica do baixo. Também uma interpretação da solidão dos dois instrumentos que se cruzam em crescendo, integrando-se duma forma invulgar.
Duas coisas para se apreciarem juntas.