Continuemos na gula
Uma das minhas aquisições do inicio do ano foi Les Dîners de Gala, um livro originalmente publicado em 1973 e que a Taschen agora relançou.
Divididas por 12 capítulos, estão 136 receitas descritas e ilustradas por Dali. Além das soberbas imagens surrealistas do Pintor, faustosas fotografias dos deliciosos petiscos em suculentas mesas com requintes decorativos particulares, fazem as delicias dos leitores, estimulando-lhes as papilas gustativas e levando-os ao pecado da gula que certamente aqui ninguém fica indiferente.
Não posso deixar de transcrever uma nota introdutória que cabalmente traduz o espírito do livro:
“We would like to state clearly that, beginning with the very first recipes, Les Dîners de Gala, with its precepts and its illustrations, is uniquely devoted to the pleasures of Taste. Don´t look for dietetic formulas here.
We intend to ignore those charts and tables in which chemistry takes the place of gastronomy. If you are a disciple of one of those calorie-counters who turn the joys of eating into a form of punishment, close this book at once; it is to lively, too aggressive and far to impertinent for you.”
Não existe melhor descrição para o livro que esta. Eu não o faria melhor, mas quem sou eu? Certos poetas e romancistas teriam o dom de ilustrar estas qualidades também duma forma soberba, mas faltava-lhes certamente o realismo vivido que tornou únicos estes jantares.
Sentindo uma certa nostalgia por viver numa época diferente e afastado desta realidade gastronómica, permito-me ir além d a nota introdutória e dizer que mais do que unicamente devotado ao prazer do gosto, é devotado ao prazer dos sentidos. Aqui junto-lhe o aroma, a textura e a visão estética. E certamente que na sala não poderia deixar de existir uma música que ao fundo fosse aguçando o apetite com a sua melodiosa impertinência. Gershwin seria perfeito. Seria o que eu poria.
Folhear o livro transporta-nos para o ambiente de luxúria vivido à época, onde tudo passava a ser permitido, emoldurado por um requinte estético num ambiente único multicultural, onde nenhuma forma de expressão artística se excluía. Poderei noutra altura dissecar com mais pormenor algumas receitas bordadas por pinturas dum imponente surrealismo, com tonalidades lascivas e nalguns casos, com um pendor erótico importante. Mas não quero hoje passar deste pequeno aperitivo.