Coincidências
Sem dúvida que a comida tem um papel importante ao longo da história da humanidade. Quando comecei com os Pecados Capitais, iniciei pela gula. Ao iniciar os Sentidos, para não ser monótono e falar do paladar, iniciei pelo olfacto e quis manter-me por aí. Não o relacionei com o paladar mas na realidade são dois sentidos completamente interligados. No entanto, não os podemos dissociar do tacto. Quando comemos algo, tendemos a perceber o seu aroma e o seu paladar, mas também a forma como o percebemos na boca, a sua consistência, a sua textura, a sua dureza, a forma como se desfaz ou não, enfim, mais um sentido a juntarmos para completamente apreciarmos o que estamos a comer.
Coincidência porque quando escrevi os textos não fazia a menor ideia que a Granta iria dedicar este último número ao Comer e beber.
Tudo pode ser feito à volta de uma mesa. Desde amenas cavaqueiras a chorudos negócios, passando simplesmente por comer. Comer é importante para a vida, mas comer é muito mais importante para viver. A socialização que uma refeição permite vai muito para além da absorção dos nutrientes necessários. A propósito destes nutrientes é muito interessante analisarmos as dietas ao longo dos tempos, as suas variações, o evoluir ou involuir dos conceitos e, em muitos casos, esquecermos um conceito fundamental da filogenia humana, o homem é um ser omnívoro. Não é carnívoro, vegetariano, vegan (acho que é assim que se diz agora), ovo-lacto-qualquer coisa, ou muitas outras variantes que são extremamente úteis para se venderem livros de receitas e de bem-estar. O bem estar é também um conceito muito relativo. Dando uns exemplos, um cerveja bem gelada numa tarde muito quente de verão dá-me um bem estar fantástico. Talvez uma boa feijoada à transmontana não o desse nesta circunstância, mas num frio e chuvoso domingo de inverno, sem dúvida que o faria. Ora o que acontece com estas novas modalidades alimentares é que são sempre iguais. Sol ou chuva, calor ou frio, os pratos vão-se repetindo numa completa ausência de sintonia com o meio ambiente. Ultimamente têm-me falado da dieta paleolítica (como não tenho facebook, algumas novidades tardam a chegar-me. Pode ser que a moda já tenha avançado). Pus-me a pensar nos reais benefícios duma dieta que remonta à idade da pedra e em que a sobrevida média das populações era de 25-30 anos. Claro que há aqui a questão estatística, como muitos alegam. A taxa de mortalidade infantil era enorme, o que fazia baixar esta média, mas na realidade, os relatos também não mostram muitos paleolíticos idosos.
Mas estou a fugir do tema a grande velocidade. É como popularmente se diz, a conversa é como as cerejas, encadeiam-se umas nas outras e é difícil parar... e lá metemos a comida ao barulho outra vez. Talvez seja melhor deixar a Granta para amanha e ir agora comer alguma coisinha, que isto de falar de comida vai abrindo o apetite. Só estou indeciso entre uma indecorosa francesinha especial, um polvo à lagareiro ou uma ou duas folhinhas de alface. É que para sobremesa vinha mesmo a calhar um genuíno pudim Abade de Priscos.