Clássicos
Pergunto-me muitas vezes o que é isso dos “clássicos”. Tu viste este filme? É um clássico... Tu não leste este livro? É um clássico... Não conheces esta música? É um clássico. Mas porquê? E porque não outros? Eu muitas vezes até gosto mais dos outros!
Por definição clássico é um adjectivo para qualificar o que é considerado um modelo, que é ensinado na escola, que é relativo à antiguidade greco-latina, que é relativo aos autores que seguem as opções estéticas da antiguidade, que corresponde a padrões considerados perfeitos e intemporais numa determinada época ou que é habitual (Infopédia, Dicionários Porto Editora).
A definição que eu adoptaria seria a de um modelo que corresponde a padrões considerados perfeitos e intemporais numa determinada época. Mas intemporal numa determinada época é, no fundo, intemporal em todas as épocas. Então corresponderia aquilo que é sempre um padrão de perfeição independentemente da época em questão. O que me leva a considerar um clássico todo e qualquer livro, música, fotografia, pintura, etc. feita hoje e que corresponda a um padrão de perfeição intemporal.
Shalimar o palhaço é, então, um clássico. Uma obra-prima. Pelo menos para mim. Poucas histórias foram tão bem contadas. “Nesse verão triste, depois da morte de Misri, as maças dos pomares do pândita Pyarelal Kaul ficaram amargas e não se podiam comer, mas os pêssegos de Firdaus Kaul eram suculentos como de costume. O açafrão nos campos de açafrão de Pyarelal ficou mais descorado e menos forte, mas o mel das colmeias de Abdullah era mais doce do que nunca. Estas coisas eram difíceis de entender;”
É um livro sobre o amor; é mais que um livro sobre o amor. É uma elevação de Caxemira. Um local onde muçulmanos e hindus convivem na mais pura fraternidade, onde a tolerância, a entreajuda e a religião são vividas e festejadas conjuntamente. Até que valores políticos, que deveriam ser secundários, fazem sobressair o que de melhor e pior existe da espécie humana. Do amor ao ódio e do ódio por amor. É um livro de um só fôlego. A beleza da humanidade é descrita duma forma que não apetece parar de ler e o ódio que vai surgindo vai aumentando a necessidade de se perceber o que vai acontecer a seguir. Há um realismo fantástico, presente em muitos livros de Rushdie, que vai encantando o leitor.
Ninguém fica indiferente a esta história. Perceber Shalimar o palhaço é perceber todo um contexto cultural, filosófico e político de Caxemira, uma região disputada pela Índia e pelo Paquistão desde o fim da colonização Inglesa. E é esta disputa que vai crescendo ao longo do livro, que vai destruindo pouco a pouco um povo, que apesar das diferenças culturais e religiosas usufruía duma paz única. No fundo, acaba por ser também um livro sobre o radicalismo e como ele consegue transformar as sociedades. Sem dúvida, a não perder.
Para mim, um clássico. E porque não juntar a este clássico a Sinfonia nº 5 de Gustave Mahler? Nesta sinfonia, passamos do mais trágico e o mais alegre. A música passa de um ambiente emocional negativo para uma alegria radiante, deixando no seu IV andamento, o Adagietto, uma elegia ao amor. Apesar de finais diferentes, se pusermos lado a lado o texto e a música, penso que os pudemos conjugar num aprazível momento.