Cinco sentidos – O olfacto
Quando iniciei a saga dos Pecados Capitais disse que ia alternando com outros temas para não monotonizar a leitura daqueles que ainda têm a paciência e o carinho de perderem tempo com isto, mas também daqueles que certamente lerão com gosto e dos muitos novos leitores que certamente terei com a divulgação do blogue. Bem, presunção e água benta cada um tem a que quer, diz o povo e com razão.
Muitos dos pecados capitais estão ligados aos sentidos e por isso, faz-me sentido, também neles falar. Se da audição tenho vindo a ser insistente ao associar música aos livros, dos outros sentidos não tenho dito grande coisa. Uma abordagem ao tacto quando manuseamos os livros; uma abordagem ao olfacto quando sentimos o cheiro a papel ainda novo dum livro acabadinho de comprar ou o cheiro a mofo bafiento dum livro há muito guardado numa arrecadação húmida. Do paladar falarei sempre através dos outros sentidos (por muito apetitosas que possam ser as imagens e por muito que tenha despertado o apetite ao falar de O clube dos anjos e de Les Dîners de Gala, ainda não me estou a ver comer algumas páginas).
Hoje iniciarei, também de forma alternada, alguns textos sobre livros que puseram à prova Os Sentidos. Aquele que primeiro me chamou a atenção, talvez até porque foi um dos primeiros livros que li na juventude e que me marcaram pela beleza descritiva que se pode fazer do horror narrativo foi O Perfume – história de um assassino. A busca do perfume ideal, considerado como a forma suprema da beleza, leva Jean-Baptiste Grenouille às piores atrocidades. O que no princípio começou por ser um dom, um olfacto absoluto, um génio perfumista, rapidamente se tornou numa obsessão mortal em que a incessante busca da suprema beleza olfactiva teve como consequência uma série de assassinatos, que se tornaram na única forma de o odor ser captado e absorvido duma forma impar.
Uma história que se inicia nos arredores mais pobres e sujos de Paris, em pleno século XVIII, passando para os bairros mais ricos da cidade, onde Grenouille vai fazendo um percurso de ama em ama até às melhores perfumarias parisienses, onde priva com a alta sociedade, até sentir numa jovem uma nova e agradável fragrância que, para guardá-la só para si, o levou ao primeiro assassinato. Após muitas venturas e desventuras, o isolamento a que se votou levou-o a perder o seu olfacto sentindo apenas o seu próprio odor. E então parte em busca dos melhores odores, tirando a vida a jovens virgens para ficar com os seus odores. E misturando todas as fragrâncias que vai desta forma recolhendo, alcança o seu objectivo, o melhor perfume de sempre. Não vou desvendar o fim do livro, vou deixar o leitor apurar os seus sentidos e percebe-lo conjugando-os.
O surrealismo onírico expresso neste livro, descrevendo duma forma maravilhosamente bela a mistura das diferentes sensações que vão do horrível ao fantástico, do belo à obsessão, da ausência de afectos à pureza, tornam este primeiro romance de Patrick Süskind num clássico.
Esta mistura de sensações leva-me a voltar a Bernardo Sassetti e ao seu álbum Ascent. Uma conjugação perfeita. Mas aqui falámos essencialmente de odores. Ponham a música a tocar ao fundo e associem um bom vinho, talvez do Douro, onde o aroma a frutos vermelhos se destaque.