A neve, a sua terra e eu
A beleza inóspita da nevosa região do norte da costa oeste do Japão é o improvável cenário onde mais uma história de amor profundo e impossível ocorre, contada pelo punho poético da escrita de Kabawata.
Terra de Neve é, por isso, para ser lido. Já habituado à sua escrita, após Chá e Amor e Kyoto, continuo fascinado pela beleza descrita duma região longínqua e fria, onde o branco high-key fotográfico sombreado a neblina inunda o meu imaginário, onde vejo passar ao longe o contrastado colorido dos quimonos das gueixas, cujas faces se perdem na brancura da paisagem. O pormenor descritivo obriga a uma leitura cuidada, detendo-se em pequenos detalhes, que o leitor menos atento pode deixar escapar, mas que preenchem a narrativa harmoniosamente, qual detalhe musical, que por trás da melodia principal enche de sonoridade o texto. Sem nos esquecermos do local e da época, o que facilmente acontece porque Kawabata nos transporta a cada parágrafo, vamos apreciando a cultura, a tradição e o estilo de vida do interior montanhoso e, para muitos, inacessível. Transporta-nos com igual beleza para o coração duma jovem gueixa e para o seu amor impossível. Transporta-nos para uma complexa rede de sentimentos entre o impetuoso temperamento da gueixa e a contrastante serenidade do visitante. Transporta-nos também para a música de Gustav Mahler e para a sua Sinfonia nº 5. Podemos comparar a mistura de sentimentos ao convívio do alegre e do trágico soberbamente expostos nesta sinfonia. Ler os momentos mais íntimos ao som do adagietto e contrastando o 5º andamento com a deliciada descrição do incêndio no armazém dos casulos. O inicio da sinfonia (1º andamento) apresenta-nos a fria Terra de Neve, o inóspito clima e o jovem doente. E a completa modificação da transição para o segundo andamento encorpa a felicidade da gueixa com o regresso do seu visitante.
E numa tarde fria, onde Mahler e Kawabata se encontram, a conversa temperada com Pêra-Grave Reserva 2012 foi evoluindo num tom sereno.