A beleza dos dias
Olho para a fotografia de Helmut Newton. O erotismo latente desperta-me a atenção. O corpete, a posição da cabeça, as mãos nos seios que sobressaem. Olho para o túmulo atrás. Um homem segura uma cabeça. O túmulo é de Fernand Arbelot. Arbelot a contemplar para sempre o rosto da mulher. Escondido atrás da jovem o túmulo de François-Joseph Talma. Mas é o primeiro plano que retém a atenção. A sensualidade surge associada a vários aspetos. O escuro da roupa, a pressão nos seios que saem do corpete, o olhar para baixo que oculta os olhos. Porque olha a jovem os seios premidos pelos dedos?
A beleza da ideia esfuma-se na beleza da jovem modelo produzindo uma dissemelhança na paisagem global. A modificação do ponto de interesse é feita de forma subtil pela colocação da jovem no primeiro plano, sendo titulada a fotografia pelo elemento menos perceptível. A reeducação sensorial remete, de outra forma, para o erotismo latente, não substituindo a sensualidade expressa. Foquemo-nos no global.
Ouço Pierre Bertrand no meu aparelho de som. Transporta-me dentro de um imaginário musical bucólico-idealista extracanónico. Deixo sublimar os pensamentos autodestrutivos associando os dois padrões de beleza.
O copo de um bom vinho está ali, disponível. Monte Xisto. Touriga Franca e Touriga Nacional com um pouco de Sousão. Um Douro com um corpo acolhedor. Perco-me no tempo. Lembro-me que tenho que mudar o meu aparelho de som.