Noites de tempestade
PL
Não sei se há uma hora específica de almoço. Aliás, não sei se há horas específicas para alguma coisa. Mas, numa ordeira combinação de tempos, troquei o que deveria ser a hora de almoço por um aprazível período que dediquei a ouvir música, sendo que não o fazia há algum tempo.
Também há muito que não saboreio um tinto verdadeiramente encorpado e aromático.
Talvez tivesse chegado a altura. Faltava apenas qualquer coisa para ler, quiçá uma companhia também, apreciada em silêncio, de sorriso pronto e olhar enternecedor.
A playlist ia tocando aleatória escolhida pela moderna inteligência artificial supondo-se a meu gosto, mas errando amiúde.
Fui folheando e lendo algumas passagens de Le vin & La Musique – Accords et Désaccords. A constante simbiose do vinho e da música, ao longo dos tempos e nas suas várias vertentes.
Apeteceu-me abrir a derradeira Quinta do Monte Xisto. Touriga Nacional, Touriga Francesa e Sousão. Equilíbrio perfeito. Um excelente vinho.
A memória transportou-me a Karen Blixen e à A festa de Babette. A gratidão e o apreço. Um conto cheio de sensibilidade.
Babette chega numa noite de tempestade. Talvez as noites de tempestade sejam boas para se chegar. Talvez sejam boas também para partir. A tempestade traz a mudança, depois da tempestade vem a bonança.
Termina hoje a exposição de Steve McCurry. Saí com a minha máquina. Saio muitas vezes com a minha máquina. Disparo incessantemente sobre os vários motivos que vão surgindo. A luz matinal adequa-se, mas é o preto e branco que me preenche a alma.
Como eu gostava de uma noite de tempestade para a poder fotografar.