A beleza dos tempos
PL
Umberto Eco defende que a beleza não é absoluta e imutável, assumindo aspetos diferentes consoante o período e a região. O debate estético é perpetuado no tempo. A representação da beleza assume a diferente imaginação artística, conceptual e pictórica, embora prendendo-se muitas vezes a razões de natureza filosófica, económica ou política, mais do que estética. A harmonia e a proporção da concepção clássica foram substituídas por novos estereótipos cujos padrões variam conforme o tema em questão. A integração ambiental e o minimalismo arquitectónico. A escolha apurada de materiais e representativismo das instalações. A botoxização facial e a magreza, por vezes excessiva, dos corpos femininos.
O feio surge como uma antítese do belo. As múltiplas definições de beleza ao longo dos séculos não foram acompanhadas por definições do feio. Mas há também um lado carinhoso, benevolente, enternecedor no feio. Se esteticamente é repugnante, assustador e merecedor de afastamento, o carácter enternecedor torna-o objecto de apreço e carinho. Atentemos nas figuras de Quasimodo e de Vincent, o corcunda e o monstro. O mesmo já não acontece com Jean-Baptist Grenouille, personagem incapaz de obter um sentimento positivo que seja. A sua incessante busca pelo perfume doce, perfeito, belo é duma fealdade atroz.
A mudança do paradigma do belo e do feio é constante e evolui nas diferentes épocas, subjugado ao status quo vigente, muitas vezes definido por razões aleatórios fugindo do padrão estético convencional.
Orfeu desceu ao reino dos mortos para resgatar Eurídice. Cantou acompanhado pela sua lira e a magia da sua voz permitiu trazer de novo a sua ninfa. Mas cedo olhou para trás perdendo Eurídice de novo. E ficou na margem do rio sem comer ou dormir sete dias, vagueou pelo mundo até ser morto pelas mulheres de Trácia que já não aguentavam o seu desespero.
Gluck compôs a ópera num formato linear, simples e sóbrio dando primazia à acção dramática.
A perseverança ou, como agora é moda dizer, resiliência de Orfeu é um atributo bastante necessário no período atual, onde se confunde o importante com o acessório, onde a aparência é melhor que a realidade, onde a capa de bom samaritano esconde a hipocrisia moral. Vivemos a necessidade de descer ao inferno. De trazermos a nossa Eurídice sem cairmos no erro de olhar para trás e desfazermos os sonhos que breve serão realidade. A aplicação deste conceito serve ao campo pessoal, laboral, social, económico e político. Os exemplos multiplicam-se. Mas como Jean-Baptist Grenouille, sob a capa bonita da perfeição o estrago tem-se multiplicado e os exemplos seguidos são sempre os piores. Virar o azimute neste período é a mudança que se impõe e saber fazê-lo de modo adequado é fundamental. Orfeu cometeu dois erros, não acreditou e não soube viver a mudança.
Charlie Brown diz: Só se vive uma vez, Snoopy.
Ao que Snoopy responde: Errado! Só se morre uma vez. Vivemos todos os dias!