Hoje falámos de música clássica, ou lá o que isso é, e não só
PL
Não se fica indiferente ao Duplo Concerto para dois pianos e orquestra de Philip Glass.
Os conceitos musicais são complexos e longe de unanimes. Várias interpretações se têm dado ao conceito de música clássica, não gerando consenso entre os musicólogos. Acontece o mesmo com o concerto, que varia do combate ao diálogo. Apesar de termos supostamente opostos na sua essência, adaptam-se, ambos, ao conceito que o concerto quer transmitir. Um instrumento e uma orquestra interagem. Complementando-se e contrapondo-se. Os vários períodos musicais vão-se distribuindo por estes dois cenários.
Encontro neste concerto de Glass uma teia complexa em que os dois pianos e a orquestra se assumem como um todo, misturando-se nas suas diferenças e constituindo uma só tela. Um painel único onde conseguimos individualizar cada uma das três partes não obstante a continuidade melódica do conjunto. E é o que Glass transmitiu quando disse que procurava uma dinâmica diferente da do período romântico, vendo a orquestra como uma extensão do piano e não subjugada ao seu domínio. E a conjugação harmónica da orquestra é bem patente. Apesar da fuga arquitetónica do período romântico, não deixamos de estar no romantismo da era moderna, com todas as suas vicissitudes.
Continuo a não perceber nada da mente humana, o que não deixa de ser curioso, uma vez que todas as semanas vejo cérebros. Ou talvez perceba, sem o querer assumir ou aceitar.
Enquanto me deliciava a ouvir o concerto de Glass as imagens mentais que fazia eram as dos quadros de Edward Hopper. O que talvez seja um bocadinho antitético. A simbiose musical contrabalança a desconjugação da estética Hopperiana. Pintor da solidão e dos estranhos afetos teve sempre o meu profundo apreço. Soir Bleu, Nighthawks e Two on the Aisleforam sucedendo e entranhando o pensamento. As imagens tradutoras do sozinho rodeado de gente em concerto com a harmonia pianos orquestra.
Sim, não se fica indiferente.