Contra mim falo
PL
Contra mim falo. Sendo um cidadão comum, igual a tantos outros, sem predicados excepcionais ou algo porque ser reconhecido. Inconscientemente, porque conscientemente estou-me a borrifar, talvez pretenda ter aqui os meus 15 minutos de fama. Numa sociedade onde quase todos querem ser famosos, o protagonismo vai sendo para os que em nada o deveriam ser. A futilidade ocupou os lugares e monopolizou audiências. Assusta-me assistir ao canal publico de televisão a horas sensatas do dia, assusta-me ainda mais assistir aos canais abertos a horas sensatas do dia. Assustam-me as guerras de audiências baseadas no Big Brother. Hoje em dia é politicamente incorreto falar-se de elite cultural, apesar de existir. Mantém-se, por razões políticas, ideológicas e sociais, afastada das luzes dos média, silenciada nos horários nobres. A clara incompetência reinante só sobrevive à custa da ignorância, agora dita aliteracia e outrora iliteracia, duma franja votante cujo único objetivo é a manutenção da subsidiocracia. Mas estou a fugir do tema. A Rita Pereira, por exemplo, tem 1,5 M de seguidores no Instagram. Seguem o quê? As luzes do estádio do Nacional da Madeira? Ou seguem uma geração amorangada que não evoluiu? Mas que proliferou. Este é apenas um de muitos exemplos. As redes sociais estão pejadas deles. O Alta definição teve convidados fabulosos, entrevistas memoráveis. Está reduzido a atores de novelas que falam da sua vida pessoal, das suas relações familiares e dos seus traumas de infância. Por favor, poupem-me a isso, aqueles olhos já nada têm para dizer. Tragam algo de novo, partilhem cultura, partilhem ciência, partilhem conteúdo. Há tanta gente interessante em todas as áreas. Um apelo, deixem o jornalixo e façam o verdadeiro jornalismo. Esqueçam as caras larocas e promovam as mentes brilhantes. Há-as em muitos lados e, curiosamente, são pessoas de quem não se fala nas revistas nem nas televisões. Que trabalham quase anonimamente sendo apenas reconhecidas entre pares. E que delicia ouvi-las falar. São poemas magistralmente declamados. Enchem-nos a alma. Reservem para as vulgares futilidades apenas o pouco tempo que lhes deveria caber e mudem o paradigma da inconsciência coletiva para uma consciência proactiva do que realmente é importante. Para ver algum programa mais elaborado e de interesse cultural sou obrigado a praticar horários incompatíveis com o descanso necessário para o laboro diário habitual. Para assistir a algum tipo de informação científica interessante espero semanas por uma ou outra série com interesse. Estou a deixar de parte os canais específicos não massificados propositadamente porque aí procura quem quer. A questão está no dar e não no procurar, está na propositada desinformação, está na ultrajante valorização do fútil e do inconsequente como doutrina a seguir. Na premiação da imagem e não do conteúdo. No estar em vez do ser. Na transformação do acessório no essencial. Foi-se perdendo a capacidade de aprender e o gostar de saber e foi-se ganhando o voyeurismo social como o leitmotiv vivencial.
Tudo isto vem a propósito do Editorial do último numero da revista Electra. Soberbamente escrito e que aconselho fervorosamente a leitura. Não transcrevo passagens do texto porque foi sempre meu propósito nunca o fazer aqui, relativamente a tudo o que vou falando, livros, musica, comentários. Foi sempre minha intenção falar nas coisas e deixar que o leitor as procure. Mas não posso estar mais de acordo com o que lá está escrito.