Já que têm que ficar em casa, pelo menos aproveitem
PL
O céu fechou-se num cinzento ainda claro e as nuvens taparam o envergonhado sol que timidamente nasceu alegrando a madrugada. De repente o aguaceiro bateu nas janelas parcialmente abertas e múltiplas gotas de água repousam agora nos parapeitos. Trocamos olhares de desconfiança. Eu não as esperava e elas não sabem qual será a sua sorte. Cria-se alguma tensão entre nós até os meus olhos se tornarem sorridentes. Já ia ficar em casa e ia! Porque não ficarem essas gotinhas de água a fazerem-me alguma companhia?
Feels like home e Inger Marie Gundersen também me estão a fazer companhia. Um álbum traquilo de Jazz Ballads, uma voz doce, muito doce. Uma composição melódica fantástica. A ordenação com sentido. Para ouvir e voltar a ouvir e voltar a ouvir e voltar a ouvir.
Terminei de ler O envangelho das enguias. Desapontou-me. Um romance ensaio que, em minha opinião, não resultou. Como ensaio, muito bom. Adquiri um conjunto de conhecimentos fabuloso, percebi a complexidade das enguias, adorei a descrição da atração ao longo de séculos pelos seus mistérios. As memórias de infância com o pai, as suas vicissitudes, as suas descrições, cabiam numa ficção melhor estruturada e fora do ensaio exaustivo sobre o enigmático animal.
Resta-me agora escolher o parceiro ideal para completar a tríade Feels like home e Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo. Olho para a pilha de livros que ansiosamente me aguardam. Olham para mim, quais gotas de chuva, com desconfiança, mas agora com a infinita vontade que pegue nalgum deles. A escolha é difícil. O Beco da Liberdade de Laborinho Lúcio. Mas peguei também num ensaio de José Carlos Pereira, O valor da arte. Não resisti ao seu olhar.
Fiquem em casa e aproveitem.