A beleza da leitura sensorial
Há livros que são mais que livros quando a sensibilidade da escrita transforma a leitura num processo sinestésico.
Em Kyoto Kawabata traz-nos o aroma das cerejeiras em flor, dos cedros, da terra húmida e em Terra de Neve mostra-nos a delicadeza do toque do inverno, do frio gélido e da maciez da neve.
Valter Hugo Mãe percorrendo a labiríntica floresta japonesa segue, em Homens imprudentemente poéticos, a beleza narrativa que o Japão interior transporta associada à interiorização imaginativa que se percebe numa narrativa poética desconstruindo toda uma simbologia de afectos onde a ternura e o amor se mostram com roupagens diferentes.
A musicalidade associada a este livro contrasta com aquela em A desumanização onde o constante silêncio da solidão é frequentemente interrompido inquietação da natureza. E é assim que tratada a dor, o luto e a complexidade das relações humanas. Sente-se na pele.
Uma percepção de musicalidade na escrita encontramos também em Mário Cláudio e Guilhermina continuando pelo O fotografo e a rapariga complementado por uma narrativa descritiva em formato de pintura ou fotografia a imagem se sobrepõe ao som.
Este tipo de narrativa surge também em Shalimar o palhaço. A mestria de Rushdie como contador de histórias é transversal a outras obras e não posso deixar de fora Luka e o fogo da vida. Os textos vão fluindo num desenvolvimento mágico e cativante que se esperam duas coisas antagónicas, o anseio de chegar ao fim e a esperança de não terminar, tão bela é a prosa.
O teor mágico surge também em Paulo Coelho. Brida, O Alquimista e Diário de um mago seriam as minhas sugestões e por esta ordem. Exatamente a ordem inversa pelo que foram escritos.
Ao falar em Rushdie vem-me sempre à ideia Para onde vão os guarda-chuvas. A leitura deste soberbo romance foi acompanhada com uma constante constatação que poderia estar a ler Rushdie. É uma opinião minha. Talvez apenas eu tivesse esta impressão, talvez esteja completamente errado.
Há hora e meia que não sei o que estou a ouvir. Absorto na escrita, a música surge ao fundo. Uma sinfonia que poderá ser do período pós-romântico.
E, antes de sair do escritório, num último olhar pela estante, pego e folheio Meu amor muito querido... e os meus olhos param quando leio “Juntos, eramos tão felizes quanto o podem ser um homem angustiado e uma mulher apaixonada”.