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Lata de Conversas

Lata de Conversas

24
Nov17

Deixemos apenas de existir, passemos também a viver

Paulo L

Na minha rotina diária de ver as capas dos jornais e lamentando o falecimento de João Ricardo, para mim um excelente actor, não pude ficar indiferente a uma frase de António Lobo Antunes que acompanhava a notícia e que transcrevo “Ninguém sabe o que é a morte, mas não faz muita diferença porque também nunca sabemos o que é a vida”. Concordo em absoluto. A definição de vida está longe de ser consensual e o conceito não poderia ser mais lato. Explicações das mais científicas às mais filosóficas vão-se enquadrando nas formas de ser e de pensar de cada um, que as entende como um objectivo, uma forma de estar, uma tempo de passagem, sei lá, um conjunto infindável de coisas. Embora a vida seja um assunto sério, acho que há muita gente que passa por ela sem pensar muito seriamente nela. Apenas tem o trabalho de existir, não o trabalho de viver. Ao andar por cá penso muitas vezes qual será o meu papel. Que grau de investimento devo ter naquilo que convencionalmente se chamou a vida pessoal, que grau de investimento devo ter na vida laboral. E a vida espiritual? O que é isso e onde se enquadra? Reflexivamente, viver é um processo complexo. Implica conjugar uma série de factores que por vezes são inconciliáveis. Oscar Wild dizia “Há momentos em que é preciso escolher entre viver a sua própria vida plenamente, inteiramente, completamente, ou assumir a existência degradante, ignóbil e falsa que o mundo, na sua hipocrisia, nos impõe. É uma realidade difícil de se concretizar. Saber quando e como. Mas não podemos fugir a esta dualidade. É onde entra o carácter. Camus disse um dia “Antes, a questão era descobrir se a vida precisava de ter algum significado para ser vivida. Agora, ao contrário, ficou evidente que ela será vivida melhor se não tiver significado”. Conseguimos aqui fazer a distinção entre viver e existir. Viver uma vida sem significado não passa de meramente existir. Quando vamos ler a Correspondência de Florbela Espanca encontramos que “A vida é apenas isto: um encadeamento de acasos bons e maus, encadeamento sem lógica, nem razão;...” Virgílio Ferreira também dizia que “A nossa vida é toda ela feita de acasos”. Fernando Pessoa no Livro do desassossego escreve “A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.” A vida diz respeito a cada um. Querer viver ou simplesmente existir é uma opção. Eu gosto de viver, apesar de por vezes me apetecer apenas existir. Existir é mais fácil, é mais linear, é seguir uma linha curva que se desvia dos obstáculos, que foge aos problemas, que se afasta dos confrontos, despida de convicções e vontades, vazia de conteúdos. Como dizia Simone de Beauvoir “Viver é envelhecer, nada mais”. Não. Completo desacordo. Dom Quixote viveu uma vida plena. O Cavaleiro da triste figura soube viver. Lutou contra moinhos de vento, defendeu as suas crenças, transformou as suas ilusões em realidades. Não existiu, viveu. Concordo com Bertrand Russell quando diz que “A vida é demasiado curta para nos permitir interessar-nos por todas as coisas, mas é bom que nos interessemos por tantas quantas forem necessárias para preencher os nossos dias.” Nietzsche, Kierkegaard, Sartre, Agostinho da Silva, e muitos outros escreveram sobre a vida. Cada um com a sua forma de pensar. Todos eles viveram. Deixemos apenas de existir, passemos também a viver.

Iniciei este texto com o objectivo de falar de A morte de Ivan Ilitch de Tolstói, mas vai ficar para outro dia.

11
Nov17

Momentos

Paulo L

A vida é feita de momentos. Um dos momentos bons, que recordo com muita saudade, foi quando, entre outras e muitas coisas, me falaram de A tia Júlia e o escrevedor. Passaram uns anos mas o sentimento perdura. Ouço Fred Hersch ao piano Alone at the Vanguard enquanto vou passando em memória momentos e livros. E vou recordando A tia Júlia e o seu escrevedor. Hersch é um pianista e compositor de jazz. Ouço deliciado as suas obras e as suas improvisações sobre as obras de Monk e Blake...

O tempo vai passando. São mais as recordações que a vontade de escrever, mas A tia Júlia e o escrevedor assumem um papel preponderante. Há um realismo fantástico que se vai exacerbando com desenrolar da história. Um escritor que, para dar vida aos seus textos, vai encarnando o que escreve, ou até que encarna primeiro para escrever. E ao longo das suas histórias vai-se misturando cada vez mais com elas, ao ponto de ser ele a sua própria história. Enlouquece, confundindo enredos e personagens, mas os seus ouvintes aumentam com isso o seu apreço, adorando-o cada vez mais.

E a paixão pela tia Júlia, quase com o dobro da sua idade, do jovem protagonista de 18 anos, com quem acaba por ter uma relação amorosa. A candura e o encantamento. A luta familiar. O casamento. A amizade do jovem e do escrevedor. O desenrolar duma história achada por muitos autobiográfica, onde o real e o imaginário se confundem.

De uma leitura aparentemente fácil, que se vai complicando com o desenvolver da história, que mistura o real e o fantástico, associado a um fluir literário que aumenta a voracidade da leitura a cada capítulo que passa, esta obra de Mário Vargas Llosa é para se ir saboreando ao longo duma fria tarde de Outono, onde um encorpado tinto duriense acompanha com toda a perfeição.

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